Havia um moço muito viciado no jogo. Passava as noites fora de casa, não se importava com os negócios, ia cada vez em pior.
A mulher pedia-lhe sempre, com boas maneiras, que deixasse aquele vício, que mudasse de vida.
Qual o quê! Não havia meio de conseguir nada. Todas as tardes o moço montava na sua egüinha e ia jogar no arraial.
Estava mesmo perdido por uma vez. Uma tarde, a mulher lhe pediu ainda que não fosse para o jogo, que ficasse em casa com ela e o filhos e largasse de jogar. E chorava a coitadinha que metia dó.
Mas o moço respondeu que não havia de largar de jogar nem pelo diabo.
— Pois vai, Manuel! — era este o seu nome — mas quando voltares me acharás morta.
— Pois morra com o diabo!
E foi mesmo.
À meia-noite em ponto, quando mais estava o moço perdendo, aparece um desconhecido à mesa de jogo.
Aproximou-se do moço e disse-lhe que a mulher tinha morrido.
— Pois morra com o diabo!
Quis ainda ficar, mas os parceiros acabaram com o jogo e teimaram com ele que fosse para casa.
Ele saiu, montou na egüinha e quando tocou viagem viu que o desconhecido ia montado na garupa. A égua partiu na disparada corcoveando que fazia medo, rompendo cercas, saltando valos e o desconhecido sempre agarrado com o cavaleiro, que tremia de pavor e já estava todo machucado, com o braço quebrado e o rosto escorrendo sangue.
Assim foram parar num lugar muito distante, num palácio de onde saía fogo de todos os lados. Era o perfeito inferno.
O desconhecido, que era o diabo, atirou o moço fora da montaria. E foi mostrar-lhe o quarto dos joagdores.
Era um cômodo todo de fogo, de matar a gente de calor. E por todos os cantos havia mesas de jogo e almas jogando e soltando gemidos.
O moço recuou horrorizado e pediu ao companheiro que o levasse dali para fora.
O desconhecido levou-o, mas o outro lugar onde estavam as almas que as pessoas no mundo mandavam para o diabo.
Era o mesmo fogo, o mesmo calor que o moço ainda que de longe, não podia suportar.
No meio daquelas almas, reconheceu a mulher, que gemia de cortar o coração. O desconhecido perguntou ao moço:
— Conhece aquela alma?
Ele respondeu, cheio de pavor:
— Sim, se conheço! É a pobre da minha mulher, a quem eu hoje disse que morresse com o diabo.
— Por isso está aqui. Quer levá-la?
— Se isso fosse possível...
— Depende da sua vontade. Largue de jogar.
— Se largo! pois não vi o destino dos jogadores?...
— Promete-me, pois então está feito. Quando chegar à sua casa encontrará sua mulher viva. Mas nunca mais torne a dizer que nem pelo diabo deixa de jogar.
Levou-o para fora, montaram a cavalo e partiram. Quando chegaram a uma encruzilhada deram duas horas e o desconhecido desapareceu num estouro.
O moço, meio fora de si, reconheceu que estava no caminho de casa. Tcoou a galope e quando chegou, vinha o dia clareando. Bateu na porta, já com outros modos. Veio abri-la a mulher, a quem ele perguntou se tinha morrido.
Ela respondeu que tinha sonhado que morrera e fora para o inferno onde também o vira.
O sonho concordou com o que havia passado e o moço fez-se um bom marido, muito trabalhador e deixou de jogar por uma vez.