Investigação do Observador conclui que Igreja portuguesa esconde casos de abusos sexuais incluindo na Madeira

15 Fev 2019 / 11:15 H.

O jornal on-line Observador desenvolveu, ao longo dos últimos meses, uma investigação sobre abusos sexuais na Igreja Católica portuguesa. A principal conclusão é de que têm sido escondidos casos ao longo dos anos. O trabalho daquele jornal surge nesta altura a propósito do encontro, no Vaticano, promovido pelo Papa Francisco, sobre abusos sexuais na Igreja Católica. Marcado para os dias 21 a 24 deste mês.

Na elaboração dos seu trabalho, entre muitas fontes procuradas, “o Observador perguntou a cada uma das dioceses quantos casos investigou internamente. Apenas 15 responderam. E, destas, só nove aceitaram divulgar os números que recuperaram dos seus arquivos. As outras limitaram-se a assegurar que respeitam as normas da Santa Sé e da Conferência Episcopal Portuguesa no que diz respeito aos abusos sexuais — mas sem números”.

As autoridades civis não têm dados sobre a prática de tais crimes na Igreja, o mesmo acontecendo na própria instituição. “A Igreja Católica em Portugal também não tem dados estatísticos sobre os abusos sexuais cometidos pelo clero no país — foi essa a resposta que o Observador recebeu da Conferência Episcopal sempre que procurou essas informações. Esta terça-feira, porém, depois de confrontada com as duas primeiras reportagens publicadas pelo Observador, com os casos do Funchal e da Golegã, apareceu, afinal, um número. Ou um arredondamento, para sermos rigorosos.”

“Numa conferência de imprensa em Fátima, o porta-voz dos bispos, padre Manuel Barbosa, falou em “uma dezena” de investigações feitas pelas dioceses nacionais desde 2001 até hoje. Aos jornalistas, o padre Manuel Barbosa explicou que, num levantamento feito entre os bispos portugueses para preparar a reunião da próxima semana no Vaticano, chegaram à conclusão de que tinham sido investigadas cerca de dez denúncias de abusos, mas garantiu que mais de metade dos casos acabaram por não avançar, uma vez que a investigação prévia feita pelas dioceses não encontrou fundamentos para tal”, lê-se no Observador.

No extenso trabalho do Observador, existem várias referências à Diocese do Funchal e aos casos que viveu. Tem merecido destaque o facto de o bispo D. António Carilho ter afastado de funções Anastácio Alves, em 2018, após a uma terceira queixa com aquele padre.

“O Observador conseguiu, no entanto, fazer uma lista de, pelo menos, nove menores vítimas de três padres condenados em tribunal e que cumprem ou cumpriram pena por abusos sexuais. A estes somam-se dois menores vítimas de um padre do Funchal, que acabou por não ser acusado por falta de provas, e uma terceira vítima do mesmo padre, num processo que ainda está a ser investigado.”

Entre as referências à Diocese do Funchal, está o caso de 1993 do padre Frederico Cunha. “As notícias dos últimos anos também não andam longe destes números. Em março de 1993, uma década antes da janela de tempo em que o inspetor Pedro Pombo se focou, o padre Frederico foi condenado a 13 anos de cadeia. O tribunal de júri, na Madeira, considerou-o culpado de um crime de homicídio e de um de homossexualidade com menor (tipo de crime que entretanto mudou) — um rapaz de 15 anos. No final do julgamento, o padre, que trabalhava como braço direito do então bispo do Funchal, D. Teodoro de Faria, e de quem recebeu sempre apoio, disse aos jornalistas que era completamente “inocente” e que o caso tinha sido ‘construído pela PJ’”

“O tribunal deu como provado que, depois de tentar ter atos sexuais com o adolescente, Frederico Cunha atirou-o de uma falésia. Quando leu a sentença, o juiz foi claro: “Neste julgamento, não foi sentenciada a Igreja nem a religião católica”. Além da prisão, ficou também decidido que o padre seria expulso do país quando acabasse de cumprir a pena (por ser um cidadão estrangeiro — no caso, brasileiro) e que teria de pagar uma indemnização de oito mil euros à família da vítima. Frederico, porém, acabaria por aproveitar uma saída precária, em 1998, para fugir para o Brasil, onde ainda se encontra a viver com a mãe. Neste caso, o bispo D. Teodoro Faria não chegou a abrir um processo canónico, pelo que a Igreja Católica nunca puniu o sacerdote.”

O Funchal volta a ser referido a propósito das denúncias investigadas e arquivadas por falta de provas. Casos investigados e já noticiados pelo DIÁRIO. “São disso exemplo duas denúncias relacionadas com o mesmo padre, Anastácio Alves, investigadas em anos diferentes, no Funchal, e que acabaram por ser arquivadas por falta de provas. Os dois processos, consultados pelo Observador, revelam que, no caso de 2005, a vítima acabou por vir mudar a versão dos factos e dizer que era tudo falso. Na queixa feita por uma outra vítima, dois anos depois, a PJ considerou que o seu depoimento não era coerente e o Ministério Público arquivou o caso. Também nesta altura, era o bispo D. Teodoro quem estava à frente da diocese. Dez anos mais tarde, já com o padre colocado numa paróquia estrangeira, surgiu uma nova queixa, dirigida à diocese através de uma carta anónima e mantida em segredo. A PJ só soube deste terceiro caso pela Comissão de Proteção de Menores meses depois, em 2018. Essas novas suspeitas estão ainda a ser investigadas, mas o padre está desaparecido.”

Estes casos voltam a ser referidos na investogação do Observador, a propósito de como agiu a Igreja quando com eles confrontada. “Na ilha da Madeira, o padre Anastácio Alves foi alvo de denúncias pela primeira vez em 2005. Dois anos depois, outro menor apresentou queixa na PJ contra ele. Nessas duas ocasiões, segundo explicou ao Observador uma fonte próxima da diocese do Funchal, o bispo em funções, D. Teodoro de Faria (o mesmo que, em 1993, testemunhou a favor do padre Frederico), optou por não abrir um processo interno, tendo esperado pelo desenrolar das investigações policiais.”

“Uma informação que não foi possível confirmar, uma vez que aquele bispo, hoje reformado, não respondeu a nenhuma das tentativas de contacto do Observador e a diocese recusou esclarecer o que foi feito na altura.”

“O que é certo é que, quando a primeira investigação policial começou a inquirir pessoas da estrutura da Igreja Católica, Anastácio Alves foi mudado de funções e enviado para auxiliar de outro sacerdote em quatro paróquias da diocese. Mais tarde, após o arquivamento do segundo caso, e já com D. António Carrilho no lugar de bispo, foi colocado na Suíça, para prestar apoio numa paróquia de emigrantes portugueses.”

“Só mais de dez anos depois — já em 2018 e numa altura em que o tema dos abusos sexuais na Igreja se tinha tornado um escândalo internacional, com recados frequentes do Papa —, a diocese reagiu de forma diferente. Perante uma terceira denúncia, que chegou numa carta anónima, o bispo D. António Carrilho decidiu afastar de funções o padre, que, à data, estava numa paróquia em França. Ainda assim, não disse nada às autoridades. Fonte próxima da diocese argumentou que foi a família da vítima que pediu para não o fazerem.”

Como o DIÁRIO noticiou, a denúncia às autoridades pública foi formalizada por uma Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco.

Toda a investigação de o Observador pode ser lida em https://observador.pt/especiais/abusos-sexuais-igreja-portuguesa-escondeu-pelo-menos-tres-casos-nos-ultimos-15-anos/